Como a pesquisa qualitativa ajuda a revelar desejos ocultos do eleitor, orientar decisões e fortalecer o plano de governo e a campanha.
Pesquisa qualitativa no plano de governo é uma das escolhas mais inteligentes que uma candidatura pode fazer logo no começo da caminhada. Quando usada ainda na fase de elaboração do plano, ela ajuda a organizar as ideias, definir prioridades e alinhar as propostas ao que realmente importa para a população.
É claro que a pesquisa qualitativa também tem papel importante mais adiante, no planejamento das estratégias de campanha, na testagem de narrativas ou na definição da linguagem. Uma boa campanha usa a pesquisa qualitativa ao longo de todo o percurso.
Mas existe um valor especial em fazer uma rodada de quali logo no início do processo de preparação do plano de governo. A pesquisa qualitativa oferece subsídios valiosos para que o plano de governo já nasça conectado com o sentimento das pessoas. Assim, ele pode se tornar um ativo poderoso para a própria campanha.
Afinal, muito do que emerge dessa escuta inicial pode ser aproveitado na comunicação, na construção da imagem do candidato e na definição do tom para falar com o eleitorado.
Quem começa assim, parte com clareza de rota. E tem mais chances de chegar à vitória, com propósito e direção.
Diferença entre pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa
Tá no próprio nome… A pesquisa quantitativa mede o “quanto”: fulano tem 30%, beltrano tem 20%, cicrano tem 15%. Por outro lado, a pesquisa qualitativa busca entender o “porquê” e o “como”. Ela investiga o que levou o eleitor àquela escolha. O que ele considera na hora de decidir o voto? Anseios, sonhos, críticas? O que influencia sua lembrança, sua simpatia, sua rejeição?
Em suma: a pesquisa qualitativa não compete com a quantitativa, mas a complementa com profundidade e sensibilidade. A quantitativa mostra o que aparece na superfície do mar. A qualitativa observa o que está se movendo lá embaixo: ondas de opinião que estão se formando, memórias políticas, critérios de escolha, percepções acumuladas.
A pesquisa qualitativa pode trazer revelações surpreendentes!
Veja o que aconteceu em Campo Grande, nas eleições municipais de 1996, na campanha conduzida pelo marqueteiro Chico Santa Rita. Ele contou essa história no livro Batalhas Eleitorais – 25 Anos de Marketing Político, publicado em 2001. As pesquisas quantitativas mostravam dois políticos tradicionais na liderança. Mas, ao analisar os grupos de discussão, Chico descobriu algo inesperado: havia um cansaço profundo com esses nomes. O sentimento que emergia nas conversas era de ruptura, de busca por algo novo. A vontade de mudança ainda não aparecia nos números, mas estava ali, pulsando no imaginário popular. A análise qualitativa revelou que os dois candidatos com mais chances de chegar ao segundo turno eram justamente os que estavam em terceiro e quarto lugar nas pesquisas de intenção de voto. Foi o que aconteceu. E o vencedor foi aquele que aparecia em quarto lugar nas sondagens iniciais.
Esse caso ilustra bem o quão importante é a pesquisa qualitativa. Ela permite ir além da superfície. Às vezes, alguém lidera os levantamentos não por representar o desejo real do eleitor, mas apenas por ser o nome mais lembrado: porque tem mandato, disputou eleições recentes ou aparece com frequência na mídia. Só que por baixo dessa aparência de estabilidade, pode haver uma onda nova se formando: um anseio por outro perfil, outro estilo, outro caminho. Um movimento ainda invisível nas porcentagens, mas que já está em formação.
Quem capta isso primeiro tem mais chance de se posicionar antes que o mar vire. Pode repensar a linguagem e o conteúdo do plano de governo. Adaptar o discurso. Ajustar o perfil da candidatura. E, em alguns casos, acontece até a substituição do candidato que vai concorrer.
Veja outro caso da vida real: em uma pesquisa qualitativa realizada nas Eleições 2024, em Londrina/PR, os grupos de discussão revelaram que, apesar da alta aprovação (em torno de 70%) do prefeito em fim de mandato, havia incômodos profundos com temas como saúde e prioridades de governo. Como resultado, a candidata que ele apoiou não venceu. Quem ganhou foi alguém de fora do seu grupo, que fez a pesquisa qualitativa e soube, já desde o plano de governo, traduzir melhor os sentimentos que ainda estavam abaixo da superfície.
Em outras palavras, a pesquisa qualitativa não prevê o futuro, mas mostra os sinais de que ele já começou a se formar.
Por que começar o plano de governo ouvindo as pessoas
A pesquisa qualitativa é um excelente sinalizador de qual é o melhor caminho na fase de elaboração do plano de governo. Revela como as pessoas vivem, o que esperam, o que as incomoda, do que gostam, o que lhes dá esperança e o que precisa mudar, seja numa cidade, num estado ou no país inteiro.
A quali antecipa dores, acende alertas e aponta argumentos. E dá subsídios para que o plano de governo deixe de ser uma mera carta técnica de intenções e passe a ser uma peça estratégica, conectada com o sentimento do eleitor e sintonizada com o que o momento exige. Quem utiliza pesquisa qualitativa no processo de criação do plano de governo ganha tempo, precisão e potência.
Como se faz uma pesquisa qualitativa
Existem vários formatos de pesquisa qualitativa, mas os mais comuns e que funcionam muito bem em jornadas eleitorais são os grupos de discussão e as entrevistas em profundidade.
Grupos de discussão
No grupo de discussão, reúnem-se de seis a dez pessoas com perfis definidos. Por exemplo: moradores de uma mesma região, eleitores indecisos, mulheres com filhos na rede pública, jovens desempregados. Enfim, depende do foco da pesquisa.
Veja abaixo um exemplo real: a composição dos grupos utilizada em uma pesquisa qualitativa feita nas Eleições 2018, a pedido do diretório nacional de um partido político:
| Distrito Federal | Porto Alegre | Belo Horizonte | São Paulo | Recife | Rio de Janeiro | Manaus |
| Homens BC 30-45 anos | Homens BC 30-45 anos | Homens BC 30-45 anos | Homens BC 30-45 anos | Homens BC 30-45 anos | Homens BC 30-45 anos | Homens BC 30-45 anos |
| Mulheres BC 30-45 anos | Mulheres BC 30-45 anos | Mulheres BC 30-45 anos | Mulheres BC 30-45 anos | Mulheres BC 30-45 anos | Mulheres BC 30-45 anos | Mulheres BC 30-45 anos |
| Jovens B+ 22-27 anos | Jovens B+ 22-27 anos | Jovens B+ 22-27 anos | Jovens B+ 22-27 anos | Jovens B+ 22-27 anos | Jovens B+ 22-27 anos | Jovens B+ 22-27 anos |
| Homens A 30-45 anos DT | Homens A 30-45 anos DT | Homens A 30-45 anos DT | Homens A 30-45 anos DT | Homens A 30-45 anos DT | ||
| Mulheres B 30-45 anos DT | Mulheres B 30-45 anos DT | Mulheres B 30-45 anos DT | Mulheres B 30-45 anos DT | Mulheres B 30-45 anos DT | Mulheres B 30-45 anos DT |
Essa estratificação foi pensada para atender às necessidades estratégicas do partido, bem como respeitar o limite orçamentário disponível naquele momento. Por isso, o número de cidades percorridas foi mais enxuto, mas houve o cuidado de garantir a representatividade de todas as regiões do país, com perfis segmentados por gênero, classe social, faixa etária e comportamento eleitoral.
Nos grupos de discussão, o moderador tem um papel crucial.
A conversa é feita em ambiente reservado, mediada por um moderador experiente. A equipe de apoio ou mesmo o candidato pode acompanhar em sala espelhada ou por videotransmissão.
O moderador conduz a discussão com base em um roteiro, mas com liberdade para explorar caminhos que surgem naturalmente no diálogo. Ele precisa ter escuta ativa, domínio de grupo e sensibilidade para perceber silêncios, tensões e emoções. O papel é ir além de aplicar perguntas. É preciso criar um ambiente de confiança, onde as pessoas se sintam à vontade para falar o que realmente pensam. O moderador estimula a conversa, mas sem interferir no conteúdo.
Entrevistas em profundidade
Já a entrevista em profundidade é individual, envolvendo apenas um entrevistador e um entrevistado. Esse formato é indicado quando o tema é mais delicado ou quando o participante não se sentiria à vontade em um grupo. Nessas situações, a entrevista permite atingir grupos de difícil recrutamento.
O pesquisador conversa com o entrevistado de forma aberta, orientado por um roteiro que serve mais como guia do que como trilho fixo. Ela permite explorar menos tópicos com maior densidade.
É bom lembrar que a entrevista em profundidade também deve ser realizada com o próprio candidato, para entender quem ele é, de onde veio, o que pensa, o que pretende fazer. Enfim, extrair informações importantes que vão balizar o tom de voz do plano de governo e os caminhos da campanha como um todo.
Quem faz pesquisa qualitativa
No Brasil, há excelentes institutos e consultorias que fazem pesquisa qualitativa com método, ética e qualidade. Vale procurar empresas com histórico confiável, pedir recomendações, checar se a equipe tem experiência em contexto político. E, principalmente, entender se elas trabalham com sensibilidade. Porque ouvir as pessoas exige técnica, mas também humanidade.
Em resumo: quem escuta primeiro, sai na frente
A pesquisa qualitativa aplicada na elaboração do plano de governo é uma ferramenta estratégica para compreender o que está por trás do que as pessoas pensam, captar a essência das demandas e traduzir tudo isso em propostas com força política e emocional. Em outras palavras, indo diretamente ao ponto: falar exatamente o que o eleitor quer ouvir.
A qualitativa permite ao candidato mostrar que conhece a realidade, sabe nomear os problemas e reconhece os sentimentos da população, sejam eles de frustração ou de esperança. E quando o eleitor percebe isso, quando sente que aquela proposta foi feita com base na vida que ele vive, o plano vira voto.
Campanhas se ganham com emoção e razão. E a pesquisa qualitativa entrega as duas coisas: dá conteúdo para emocionar e dá argumento para convencer. Fortalece o discurso, orienta a comunicação e organiza a estratégia, desde o começo.



