Escultura de bronze “O Pensador”, de Auguste Rodin, representando um homem nu sentado sobre uma rocha com a cabeça apoiada na mão, usada para ilustrar artigo sobre gatilhos mentais no plano de governo.

É possível aplicar gatilhos mentais no plano de governo?

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José Roberto Martins

Jornalista e Especialista em Comunicação Governamental e Marketing Político | IDP Brasília

Conheça 5 chaves que vão tornar seu plano de governo uma ferramenta forte para se conectar com o eleitor e conquistar votos

Você pode ter ótimas propostas. Um plano de governo consistente. Ideias viáveis e bem-intencionadas. Mas nada disso garante que o eleitor vai se interessar pela sua candidatura, entender suas propostas ou confiar o voto em você. Porque, no fim das contas, o voto é uma decisão. E toda decisão se apoia em emoções, percepções e razões que influenciam o modo como o cérebro avalia o que está em jogo.

É justamente nesse processo que entram os gatilhos mentais. Numa explicação bem simples, eles são estímulos sutis que ajudam o cérebro a escolher com mais rapidez. Como vivemos cercados por decisões o tempo todo, o cérebro não tem como parar para refletir profundamente sobre cada uma delas. Se fizesse isso, entraria em colapso.

Para evitar esse curto-circuito, o cérebro automatiza certos processos e passa a reagir a sinais, às vezes quase invisíveis, que funcionam como atalhos emocionais e cognitivos. Isso explica por que alguém aproveita uma promoção de “somente hoje!” sem pensar duas vezes ou escolhe um candidato por sentir que ele representa algo familiar ou inspirador, mesmo sem ter lido todas as propostas.

Usar esses atalhos na publicidade não é meramente um truque. É uma forma legítima de comunicação com base na psicologia do comportamento humano. E, no plano de governo, quando bem utilizados, os gatilhos mentais ajudam a transformar o conjunto de propostas de um candidato em algo mais claro, envolvente e persuasivo, sem perder a consistência, a verdade e o propósito.

Neste artigo, vamos ver que empregar os gatilhos mentais no plano de governo pode fazer muita diferença para o eleitor na hora da decisão do voto.

1. Conexão

Política não é só razão. É, antes de tudo, emoção. E, para emocionar, é preciso gerar conexão. Esse é o primeiro gatilho que vamos analisar.

Antes de despejar promessas no papel, o plano precisa mostrar que houve escuta, empatia e sintonia com a vida real da população. Isso pode estar no começo do texto, explicando o processo de escuta que deu origem ao plano, mas também precisa aparecer dentro das propostas.

Exemplo de uso no plano de governo:

“Nós conversamos com mães que enfrentam fila de madrugada por um exame”.
“Muitos jovens contaram pra gente que não veem mais sentido na escola”.

Frases assim ajudam a mostrar que esse plano nasce de um encontro com a realidade.

Se o eleitor sente que você fala dele, ele começa a ouvir o que você tem a dizer.

2. Transformação

Se a conexão abre a porta, é a transformação que leva o eleitor para dentro. Ninguém quer votar apenas para manter tudo como está. A política precisa ser percebida como caminho para mudar a vida.

Por isso, com o uso do gatilho da transformação, as propostas devem ser escritas como uma história que revela a cara de um futuro melhor. O plano precisa responder à pergunta: “Se eu votar em você, o que vai melhorar pra mim?”

Exemplo de uso no plano de governo:

Não basta dizer “vamos melhorar a saúde”. Isso é vago. Diga como. Com o quê. Em quanto tempo. A transformação precisa ser palpável. Mensurável.

“Hoje, a espera para um exame passa de 90 dias. Com o programa Corujão da Saúde, a meta é reduzir esse tempo para 10 dias já no primeiro ano.”

Não é promessa, é plano. E plano bom é aquele que mostra o caminho da transformação.

3. Reciprocidade

Quem já ajudou, merece confiança. É assim que as pessoas pensam. O gatilho da reciprocidade se aplica especialmente em planos de governo de reeleição ou continuidade ou quando o candidato já fez algo concreto na vida pública. Sobretudo com a velha e boa frase: “ele já fez muito e vai fazer muito mais”, tão cantada em verso e prosa nos jingles eleitorais.

Exemplo de uso no plano de governo:

Use esse gatilho mostrando o que já foi feito, não como exibição, mas como um lembrete sincero: “Já estivemos juntos. Deixa a gente continuar”.

“Nos últimos quatro anos, abrimos 5 novas creches. Com sua confiança, vamos abrir mais 10.”

E, se for um candidato estreante, vale usar histórias de serviços prestados à comunidade, de ações voluntárias ou de lutas em defesa de causas relevantes. O eleitor reconhece e costuma retribuir.

4. Prova Social

Quer convencer alguém de que sua proposta é boa? Mostre que outras pessoas já foram beneficiadas por algo que você fez. Ir além dos números frios vale ouro no plano de governo. Traga a vida real para dentro do texto. Mostre que o candidato já ajudou alguém e pode ajudar ainda mais gente. Esse é o gatilho da prova social.

Exemplo de uso no plano de governo:

“A dona Cida, lá do Jardim Maracanã, conseguiu uma consulta com o pediatra em 24h depois que implantamos o sistema online. Agora, vamos levar esse modelo para todas as unidades de saúde.”

Esse tipo de exemplo transforma a proposta em algo crível, real e confiável: “Se funcionou com ela, pode funcionar comigo também.”

5. Afinidade

O eleitor vota em quem se parece com ele. Ou, ao menos, em quem entende seu universo e o respeita.

Afinidade não significa ser igual, mas falar a mesma língua. Mostrar que o candidato entende a realidade do eleitor porque já viveu algo parecido ou porque tem sensibilidade para enxergar e respeitar esse universo.

Se o candidato não tiver uma história de vida próxima à da maioria dos eleitores, o plano precisa construir essa ponte com sensibilidade, ouvindo as pessoas certas, adotando uma linguagem inclusiva e propondo soluções concretas para realidades que ele talvez não viva, mas se dispõe a transformar.

Exemplos de uso no plano de governo:

No plano de governo, isso pode ser traduzido de duas formas:

  1. Na narrativa de apresentação do candidato, contando sua origem, trajetória e motivações com ênfase nos pontos de identificação com o eleitor:

“Sou filho de uma família humilde e sei o que é depender do posto de saúde, estudar em escola pública e trabalhar desde cedo. É com esse olhar que construímos este plano.”

  • Na escolha das propostas e prioridades, o plano precisa mostrar que olha para quem mais precisa e entende suas dores, necessidades e sonhos:

“A falta de vagas nas creches atrapalha a vida de milhares de mães que precisam trabalhar. Nosso plano propõe convênio com creches comunitárias para abrir 3 mil novas vagas nos bairros com maior fila.”

Em resumo: propostas ganham força quando criam sentido para quem decide

Um bom plano de governo precisa ter conteúdo, estrutura e alma. Tem que propor caminhos e, ao mesmo tempo, criar vínculos de confiança com quem vai caminhar junto. É exatamente aí que entram os gatilhos mentais no plano de governo: eles atuam nos mecanismos de decisão do cérebro, facilitando a compreensão, despertando emoções e fortalecendo a confiança. Quando bem aplicados, fazem com que o eleitor se conecte com as propostas e se sinta parte delas. A retribuição será a melhor de todas: votos e vitória!

Esse assunto rende. Em breve, vamos explorar mais 5 gatilhos mentais poderosos para usar no plano de governo: autoridade, compromisso e coerência, urgência, inimigo comum e polêmica. Não perca!