Repetir propostas genéricas pode parecer mais fácil, mas enfraquece a candidatura e a gestão pública.
Plágio no plano de governo é uma coisa que já vimos algumas vezes. Aquela história: candidatos, às vezes até da mesma cidade, apresentando o mesmo plano de governo, com as mesmas frases, os mesmos erros de português, eventualmente mencionando no texto um município que não é o deles.
Parece piada, mas não é. É o que revelaram reportagens da BBC News Brasil e do portal G1, ambas em 2024, e do Jornal Nacional, em 2016. E isso nos leva a uma pergunta incômoda, porém necessária: por que tantos candidatos minimizam a importância do plano de governo?
O problema do plágio no plano de governo vai além da ética. Ele revela uma cultura política que ainda não entendeu o valor estratégico de se construir um bom plano para vencer a eleição e, depois, governar com foco no que as pessoas realmente precisam.
Plano de governo à base de Ctrl C + Ctrl V é prática comum
A reportagem da BBC analisou mais de 15 mil planos de governo protocolados no TSE nas Eleições 2024 e identificou centenas de documentos com propostas idênticas. Programas como “Natal Sem Fome”, “Arte pra Guri/Piá/Criança”, “acesso de todos às atividades físicas” ou “educação ambiental continuada” foram repetidos palavra por palavra.

A imagem acima mostra que o G1 encontrou 274 planos de governo com a mesma frase pomposa nas Eleições 2024:
“Durante todo o mandato a realização dos objetivos almejados estará atrelada a valores como trabalho, transparência, responsabilidade, realismo, consistência, criatividade e, acima de tudo, planejamento”.
Que beleza… Falou tudo e disse nada! 👍🏻
O Jornal Nacional, ainda em 2016, já denunciava esse mesmo comportamento: 41 propostas idênticas em diversas candidaturas pelo país. Em alguns casos, até adversários locais apresentavam os mesmos textos.
Verdade seja dita: se todo mundo usa a mesma fórmula, até mesmo dizendo coisas que nada significam, como o eleitor vai saber quem realmente tem preparo para governar? Além disso, imagine o tamanho da crise numa campanha que é pega em flagrante cometendo uma presepada dessas!
Por que tanta gente trata o plano de governo como mera formalidade?
A lei eleitoral obriga todo candidato a apresentar um plano de governo ao registrar a candidatura. Mas não exige que o documento tenha qualidade, coerência nem viabilidade. Muita gente entende isso como uma licença para entregar qualquer coisa, de qualquer jeito.
Em 2024, houve um concorrente que chegou a apresentar um plano de governo com o título “genérico” e trechos copiados sem nem trocar o nome da cidade original…

O documento foi elaborado por um amigo dele, que se justificou assim à BBC:
“No mundo nada se cria, tudo se copia. (…) Muda-se a cidade, muda-se (sic) algumas palavras, mas é simplesmente um copy desk”.
Pois é, vale dizer que usar outros planos de governo como referência não é exatamente um problema. Boas ideias podem, de fato, ser reaproveitadas. O problema está na cópia literal, no plágio escrachado. Isso transforma um documento estratégico em algo vazio, sem identidade nem força.
Situações como essa se multiplicam especialmente em municípios pequenos. De acordo com o Censo 2022, 70% dos municípios brasileiros (cerca de 4 mil) têm no máximo 20 mil habitantes. Neles, grande parte das candidaturas a prefeito não tem estrutura, apoio técnico ou mesmo clareza sobre a real importância do plano de governo.
Fica a provocação: será que a lei eleitoral teria que ser mais específica sobre como um plano de governo deve ser elaborado? Contar com o bom senso e com o espírito público parece não estar adiantando muito…
O que fazer para mudar essa realidade
A questão é que falta no Brasil uma cultura de valorização do plano de governo. Como mudar esse cenário? Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que copiar pode até ser mais fácil, mas também é mais arriscado. O eleitor pode não ler o plano inteiro, mas a imprensa e os adversários vão ler. E se encontrarem um plano copiado, o dano é imediato. O plágio no plano de governo vira notícia, gera memes, expõe o candidato ao ridículo e causa uma crise de desconfiança.
Em segundo lugar, tem que ficar clara ao candidato e sua equipe a necessidade de construir um plano conectado à realidade local. Fazer diagnóstico, ouvir as pessoas, analisar dados e estruturar propostas viáveis dá um certo trabalho. Mas vale a pena. Quando bem elaborado, o plano é peça fundamental que rende bons materiais de campanha, mobiliza a militância e conquista o eleitor. Além disso, facilita a vida do candidato: dá consistência ao discurso, oferece repertório para debates, cria pontos de diferenciação frente aos adversários e mostra que ele sabe aonde quer chegar. Em uma disputa com concorrentes preparados, essa solidez faz diferença.
E, por fim, precisamos falar de formação. Instituições como a Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos, o RenovaBR e fundações ligadas a partidos, a exemplo da Fundação Republicana, promovem debates e oferecem capacitações. São passos importantes de um movimento que precisa ser ampliado, para que:
- os partidos incentivem uma cultura de planejamento político sério, comprometido com a realidade local
- os candidatos trabalhem com equipes formadas por gente que conheça o território, os dados e as políticas públicas
- o plano de governo deixe de ser um anexo qualquer e se torne peça crucial da campanha e da gestão pública.
Em resumo
O plágio no plano de governo é reflexo de algo mais profundo: a ausência de planejamento consistente, direção política e compromisso com o bem público. Mas essa é uma história que a gente pode mudar.
No blog Plano de Governo, o propósito é justamente valorizar planos bem construídos, conectados com os anseios da população, para fortalecer candidaturas com propósito claro.



