Como candidatos a cargos do Executivo podem se valer dessa ferramenta estratégica nas Eleições 2026.
É muito comum nas campanhas a gente ouvir que plano de governo é peça de ficção. Pois é, pra muitos candidatos, o plano é feito mesmo só pra cumprir tabela. Um texto cheio de boas intenções, pra cumprir o protocolo da Justiça Eleitoral e ser esquecido logo depois. Ou, então, é escrito de qualquer jeito, copiado de outro candidato ou montado como um trabalho escolar em grupo, em que cada área faz um pedaço e depois é só control C + control V, sem pensar num conjunto.
Mas por que isso acontece? E, principalmente, como mudar essa cultura de ficção eleitoral que se repete a cada quatro anos?
A lei criou o dever, mas não o compromisso
A lei exige que todo candidato a prefeito, governador ou presidente, ao registrar a candidatura, apresente “as propostas defendidas”. Só isso. Não há definição sobre formato, tamanho, método de elaboração, nem qualquer penalidade para quem não cumprir o que prometeu. Como resultado, o plano de governo se torna uma formalidade qualquer, necessária no papel, irrelevante na prática.
Em 2010, ano da primeira eleição depois que o plano de governo passou a ser obrigatório, o jornalista Fernando Rodrigues, na Folha de S.Paulo, resumiu o problema de uma forma que continua atual:
“Todos esses programas de governo serão peças de ficção. Um amontoado de textos formulados só para atender a uma formalidade kafkiana legal.”
O advogado Fernando Leite Freitas estudou o tema em 2020 e chegou à mesma conclusão. De acordo com ele:
“A maioria dos candidatos elabora esse plano de metas de forma descuidada e (…) sem averiguar de fato as necessidades da população”.
Freitas lembrou que a Justiça Eleitoral apenas recebe o plano de governo, sem qualquer avaliação de mérito. Com isso, os candidatos “não são obrigados a cumpri-lo”.
Ou seja, o sistema criou a obrigação do plano, mas não criou qualquer estímulo para que ele fosse levado a sério.
Características de um plano de governo de ficção
Essa lacuna legal acaba se refletindo no conteúdo dos planos de governo. O plano de governo vira peça de ficção porque não parte da realidade e nem se destina a transformá-la. Em geral, planos fantasiosos têm características comuns:
- Falta de escuta e de participação social: esse talvez seja o traço mais evidente. O plano não nasce de um diagnóstico sério, não se ancora em dados concretos, é desconectado da realidade das pessoas e, por isso, não tem condições de gerar ação transformadora.
- Promessas sem lastro na realidade: quando falta o alicerce do diagnóstico, o plano vira um conjunto de intenções genéricas, baseadas em impressões pessoais ou conveniências políticas.
- Desprezo pelo orçamento: é comum encontrar planos que não explicam quanto custam as ações, em quanto tempo serão executadas ou de onde virão os recursos.
- Linguagem vaga como substituto do planejamento: verbos genéricos como “incentivar”, “valorizar” e “promover” aparecem no lugar de estratégias concretas. O texto não apresenta caminhos, indicadores nem responsabilidades. É uma escrita que tenta parecer planejamento, sem ser.
Esses sintomas explicam por que existe tanto plano de governo que acaba classificado como peça de ficção: são roteiros que falam sobre o futuro, mas sem nenhuma chance de chegar até ele. A boa notícia é que há formas concretas de fazer diferente.
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Como fazer para que o plano de governo não seja peça de ficção
Se a causa está na falta de método, o primeiro passo para mudar é justamente criar método. Três pilares sustentam um plano de governo sólido e executável:
- Diagnóstico é o ponto de partida: como mostramos no artigo “Diagnóstico no plano de governo: o que todo candidato precisa saber”, antes de propor a solução é preciso entender o problema. É isso que diferencia achismo de estratégia. Um bom diagnóstico combina escuta popular e dados públicos (IBGE, Datasus, Inep, Tesouro Nacional etc). Esse conjunto de informações revela gargalos e oportunidades para o plano.
- Escuta é o motor da legitimidade: ouvir a população amplia a consistência técnica e política do plano. Pode ser em encontros de bairro, plenárias temáticas, pesquisa qualitativa, reuniões com lideranças locais ou formulários digitais. A escuta bem feita mostra que o candidato conhece o território, entende as dores das pessoas e quer governar para elas e com elas.
- Método é o fio que costura tudo: no artigo “Como fazer um plano de governo eficiente”, resumimos os passos essenciais: diagnóstico aprofundado, definição de objetivos claros, viabilidade técnica e financeira, participação popular e comunicação transparente. Já no texto “Por que profissionalizar o plano de governo é decisivo para 2026”, lembramos a importância de contar com uma equipe qualificada na elaboração do plano de governo, além de uma estrutura de trabalho coordenada.
Juntos, esses três pilares formam a base técnica e política que definitivamente retira o plano de governo do campo da ficção.
Um plano de governo para a campanha e para a gestão
Quando o plano é construído com base em dados, escuta e método, ele passa a ser uma ferramenta estratégica que dá sentido à campanha e, depois, à gestão.
Tratamos disso no artigo “Como um bom plano de governo descomplica tudo na campanha eleitoral”. O plano serve de alicerce para todas as frentes da campanha: define a narrativa política, dá coerência à comunicação, organiza o conteúdo e sustenta a mobilização. Como resultado, o eleitor percebe consistência e daí nasce a confiança que se traduz em voto.
Além de ferramenta de campanha, o plano bem construído é também um compromisso de transformação concreta. O texto “O que é plano de governo e por que ele é o ponto de partida para uma campanha vitoriosa” explica que o plano deve ir além de ser promessa: é um roteiro de gestão com metas, custos e cronogramas.
Em outras palavras, o plano bem feito é a primeira política pública de quem se dispõe a governar.
Em resumo: compromisso e resultado
Durante a campanha, o candidato apresenta ideias, metas e compromissos. Eleito, precisa transformar tudo isso em resultados concretos. O plano de governo é o elo entre esses dois momentos: orienta a campanha e sustenta a gestão.
Por isso é tão importante discutir o tema “plano de governo como peça de ficção”. Quando se enxerga o plano apenas como um documento formal, perde-se a oportunidade de ter uma ferramenta sólida, capaz de sustentar a campanha, garantir a vitória e orientar o mandato.
No fundo, essa reflexão reúne tudo o que temos discutido neste blog: diagnóstico, método, escuta, ética, planejamento, comunicação e clareza.
O plano deve ser a espinha dorsal da candidatura e da gestão, o elo entre promessa e entrega. E, acima de tudo, é demonstração de respeito à inteligência do eleitor, ao dinheiro público e à própria ideia de política como serviço.
É desse modo que o plano tem tudo para virar a história real de um governo bem sucedido.
FAQ — perguntas e respostas sobre plano de governo como peça de ficção
1) Por que dizem que o plano de governo é uma peça de ficção?
Porque, em muitas campanhas, o plano é tratado apenas como exigência burocrática. Sem diagnóstico, método e compromisso, o plano de governo não tem ligação com a realidade.
2) O que a lei realmente exige dos candidatos?
A Lei nº 9.504/1997 pede apenas que o candidato apresente as “propostas defendidas”. Não define formato, tamanho, método, avaliação de mérito nem punição pelo descumprimento.
3) Por que isso é um problema?
Porque dá margem a planos genéricos, copiados ou fantasiosos, que ignoram orçamento, custos e prazos e causam desconfiança no eleitor, além de repercutir mal na imprensa.
4) O que faz um plano de governo deixar de ser ficção?
Três pilares: diagnóstico sério, escuta popular e método. Com dados reais e participação popular, o plano conquista a confiança do eleitor e, por consequência, traz votos.
5) Como um bom plano de governo reforça a credibilidade do candidato?
Quando o eleitor percebe coerência entre o que o candidato promete e o que entrega, nasce a confiança, o capital político mais valioso. Político que cumpre plano de governo tem mais chances de reeleição e de alçar voos maiores.



