Tem uma coisa que a gente precisa conversar com franqueza: achismo no plano de governo não funciona.
Sabe aquela história do “eu acho que o povo precisa disso”, ou “lá no meu grupo todo mundo quer aquilo”? Pois é. Pode até vir de uma boa intenção, mas, na prática, é preciso conferir se é algo que se sustenta.
Na vida pública, governar é lidar com um conjunto complexo de pessoas, problemas e territórios. Não dá para fazer isso baseado em palpites, percepções isoladas ou bolhas sociais. Um bom plano de governo precisa sair da esfera do “eu acho” para entrar no campo do “eu ouvi, eu estudei, eu entendi e agora proponho”.
Palpite é bom, mas com moderação
Não estamos dizendo que a intuição não serve para nada. Muitas vezes, é ela que acende a luzinha que leva a uma boa ideia. Só que, na elaboração do plano de governo, a boa ideia precisa ser testada:
- Conversa com a realidade local?
- Já foi tentada em outros lugares?
- Os dados sustentam essa prioridade?
- Ela se encaixa na capacidade orçamentária?
Porque sem validação, até a melhor das ideias pode virar tiro no pé.
O perigo de confundir convicção com verdade universal
Vamos ser justos: todo mundo tem o direito de ter opinião. O problema é quando a opinião de um vira bússola exclusiva para decidir o destino de milhares ou milhões de pessoas. Isso é especialmente perigoso quando o candidato só conversa com quem já concorda com ele (naquele famoso “grupo do zap que confirma tudo o que eu penso”).
A gente já falou aqui que um plano de governo não é um texto publicitário feito só para agradar. É um mapa de ação, que precisa considerar dados concretos, realidades diversas, demandas e, claro, visões de mundo distintas. Isso não significa abandonar princípios, mas, sim, traduzi-los em políticas públicas que façam sentido para mais gente.
Gestão pública não é feita para um grupo, mas para a população inteira
Tem outra confusão comum: achar que o plano de governo deve atender apenas aos anseios do eleitorado “raiz” do candidato, como se fosse uma eleição para vereador ou deputado. Para quem almeja o Executivo (prefeitura, governo, presidência), o jogo é outro.
Governar é gerar consenso possível, não apenas agradar a uma torcida organizada. E isso exige ampliar o repertório, ouvir outros lados, enxergar as contradições, propor saídas que não sacrifiquem a maioria por causa de uma minoria barulhenta.
Um exemplo prático: “defesa da família”
Essa é uma bandeira que costuma mobilizar nichos conservadores. Mas será que somente esse público se importa com a família? Muita gente “acha” que sim, mas claro que não. Todo mundo vive em família, seja ela como for. Então por que não mostrar que defender a família é garantir saúde, educação, segurança, acesso a emprego, creche, transporte digno?
Esse tipo de ampliação discursiva transforma uma ideia limitada numa proposta de governo mais abrangente e conectada com a vida real das pessoas. E, para isso, é preciso sair do achismo e mergulhar na escuta ativa, na pesquisa e na construção coletiva.
Planejamento é método, não mágica
Já falamos em outro artigo que o plano de governo precisa de um bom diagnóstico. Isso serve justamente para evitar o achismo. Quem conhece o problema de verdade tem mais chance de apresentar uma solução que funcione. E quem constrói com base na realidade não corre o risco de prometer o impossível.
Não é à toa que repetimos: a vitória no Executivo não se constrói em nicho único, mas com propostas amplas. Dá para manter firmeza de valores, mas com humildade para aprender, flexibilidade para dialogar e inteligência para propor.
Em resumo: menos “eu acho”, mais “eu entendo”
Se você está construindo um plano de governo, eis aí algumas perguntas importantes para você se fazer:
- Quantas dessas ideias vieram só da sua cabeça?
- Quantas foram ouvidas de verdade nas ruas, nos bairros, nas associações, nos conselhos, nas escolas?
- Quantas foram cruzadas com dados, comparadas com boas práticas, ajustadas ao orçamento?
Sabe por que plano de governo não se faz com achismo? Porque governo não se faz com achismo. Governo se faz com gente. Com escuta. Com responsabilidade.



