Conheça a técnica de entrevista narrativa; ela ajuda a construir propostas que respondem a anseios reais do eleitor.
Elaborar um plano de governo não é apenas um exercício técnico. É, acima de tudo, um compromisso com as pessoas que vivem a realidade da cidade, do estado ou do país. Nas Eleições 2026, mais do que nunca, será importante evitar o erro de escrever propostas baseadas em suposições ou análises distantes do cotidiano popular. Para isso, existe uma metodologia que pode transformar o processo de elaboração do plano de governo: a entrevista narrativa.
O que é entrevista narrativa?
A entrevista narrativa é uma técnica de pesquisa qualitativa em que as pessoas contam suas próprias histórias, revelando experiências, dores, sentimentos e sabedorias práticas. Essa abordagem se diferencia de outras técnicas qualitativas por ser individual, ao contrário da entrevista em profundidade, que segue um roteiro temático, e dos grupos focais, que dependem da interação entre participantes. Desse modo, a entrevista narrativa permite que o entrevistado conduza o relato, revelando o que realmente importa para ele.
Em um ambiente tranquilo, a pessoa fala sem interrupções, organizando os acontecimentos da sua trajetória no ritmo e na ordem que fazem sentido para ela. Em suma, é uma forma de captar a realidade pelos olhos de quem vive essa realidade todos os dias. Isso inclui grupos sociais que muitas vezes não aparecem nos diagnósticos oficiais, como moradores da periferia, trabalhadores da saúde, mães solo, pequenos empreendedores e tantos outros.
Por isso, é uma técnica ideal quando se quer compreender experiências de forma completa e humana, com riqueza de detalhes que ajuda a orientar boas decisões no plano de governo.
Por que essa técnica é útil no plano de governo?
Em primeiro lugar, o uso da entrevista narrativa permite ir além das estatísticas e revela o que os números não contam: o sentimento de abandono, o orgulho por pequenas conquistas, o medo de andar à noite ou a esperança de ver o filho estudar. São esses relatos que fornecem a matéria-prima mais legítima para pensar em políticas públicas reais.
Além disso, ouvir narrativas ajuda a identificar trajetórias sociais, ou seja, o caminho que as pessoas percorrem ao buscar serviços públicos, como saúde, educação, segurança ou moradia. Desse modo, é possível entender onde estão os gargalos, os improvisos, as ausências do poder público e as oportunidades de melhoria.
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Como usar entrevista narrativa na prática?
Veja este passo a passo prático com base na metodologia da entrevista narrativa:
1. Escolha temas e territórios estratégicos
Conforme a eleição que for disputar, seja para prefeito, governador ou presidente, comece definindo quais temas você quer explorar. Por exemplo: mobilidade urbana, acesso à saúde, política econômica ou educação infantil. Em seguida, selecione territórios com diversidade social, incluindo locais periféricos, rurais e centrais.
2. Prepare perguntas abertas
Na entrevista narrativa, não há roteiro temático. Há apenas uma pergunta geradora que convida a pessoa a contar sua história. A partir daí, ela mesma decide o que abordar, no ritmo e na ordem que fazem sentido para ela. Diferentemente da entrevista em profundidade, que divide a conversa em blocos temáticos, a narrativa privilegia o percurso vivido, sem condução ativa do entrevistador. Veja exemplos de perguntas geradoras:
- “Me conte como é a sua experiência com a saúde no seu bairro.”
- “Me conte como foi sua trajetória para conseguir uma vaga na creche.”
- “Me conte como é o seu dia a dia usando o transporte público.”
Logo depois, deixe o entrevistado falar à vontade. Não o interrompa. Use apenas incentivos não verbais, como acenos e pequenos “ahan”. O silêncio, nesse caso, também é escuta. Por isso dizemos que a entrevista narrativa não é estruturada nem semiestruturada. Ela é autogerada: a narrativa nasce da lógica interna do entrevistado.
3. Grave, transcreva e analise com atenção
Hoje em dia, o processo de gravar, transcrever e analisar entrevistas ficou muito mais ágil graças às ferramentas de inteligência artificial. A gravação pode ser feita pelo próprio celular e a transcrição, que antes tomava horas, agora leva poucos minutos. Plataformas como Otter.ai, Notta.ai, Fireflies.ai, Descript, Trint ou sistemas baseados no Whisper, da OpenAI, identificam falantes, reduzem ruído e organizam automaticamente o texto.
A IA agiliza também o trabalho de extrair palavras-chave, identificar temas recorrentes, criar listas de problemas, agrupar relatos por similaridade e destacar emoções marcadas no discurso. Mas é importante ressaltar que nada disso substitui o olhar humano, apenas acelera o processo.
Isso permite que a equipe dedique mais tempo à interpretação das narrativas, em vez de ficar presa a tarefas mecânicas. Para o plano de governo, essa agilidade faz diferença, porque libera energia para analisar o que realmente importa: o percurso vivido e as dores relatadas pelas pessoas.
A análise pode seguir dois caminhos complementares:
- Temática: identificar palavras-chave e temas recorrentes.
- Estrutural: mapear causas, consequências e conexões entre fatos relatados.
Consequentemente, isso permite organizar as narrativas em categorias relevantes para a formulação de propostas.
4. Conecte as histórias às políticas públicas
Ao final, o plano de governo pode apresentar propostas acompanhadas de trechos reais das narrativas (desde que com autorização, é claro). Isso mostra que cada ideia tem fundamento na vida real e não em ilações surgidas dentro de confortáveis gabinetes com ar-condicionado, distantes da vida como ela é.
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Palavras-chave da escuta: pertencimento e legitimidade
Usar entrevistas narrativas é também um gesto político. Ouvir histórias é reconhecer a legitimidade do outro como sujeito político. Porque, quando uma pessoa conta sua trajetória, ela não está apenas relatando fatos. Está pedindo para ser considerada no projeto de cidade, estado ou país.
Esse tipo de escuta gera pertencimento. Faz com que as pessoas se sintam parte da construção do plano. E quem faz parte, certamente tem muito mais motivos para defender as ideias e ajudar a divulgá-las. E, no dia da eleição, apertar seu número na urna e ajudar você a conquistar a vitória!
Em resumo
Como ouvir a população para fazer um plano de governo? A resposta está em dar voz, tempo e atenção às histórias de vida que se escondem atrás dos dados. A entrevista narrativa é uma ferramenta poderosa para isso. Ela permite que cada proposta seja, na verdade, uma resposta, construída a partir da vivência das pessoas.
Por trás das estatísticas, existem rostos. Por trás dos dados, vidas. E é justamente ao reconhecer isso que o plano de governo ganha alma.
Uma estatística sobre falta de vagas em creches pode revelar o drama de uma mãe que não tem onde deixar os filhos e, por isso, não consegue trabalho. Um dado sobre saúde mental pode esconder a luta silenciosa de jovens sem perspectiva. Ao transformar dados em escuta e escuta em ação, o plano deixa de ser algo burocrático e passa a ser compromisso.



