As redes já estão falando… e a netnografia revela como transformar essas vozes em estratégia para o plano de governo.
Nunca foi tão fácil falar e nunca foi tão difícil ser ouvido.
Hoje, qualquer pessoa pode abrir o celular e postar o que pensa, mesmo que ninguém lhe pergunte. Bastam alguns toques pra reclamar do governo, criticar, sugerir soluções ou apenas desabafar. É a vida real, refletida no ambiente digital, num fluxo contínuo de conversas. É um retrato das percepções da sociedade, num mar de informações em que sinais importantes podem se perder.
Para quem quer governar, esse espaço é uma fonte estratégica! É aqui que entra a netnografia: um método de pesquisa que organiza e interpreta o que circula nas redes sociais para, no nosso caso, transformar percepções online em insumos concretos para o plano de governo.
Como extrair valor do que a população já comenta online
Criar um bom plano de governo exige uma escuta aprofundada. Para isso, existem várias ferramentas valiosas: grupos focais, entrevistas em profundidade e outras formas de pesquisa qualitativa, reuniões de bairro, encontros com especialistas e conversas diretas com quem vive a realidade de áreas como saúde, educação ou segurança.
Tudo isso é essencial, porque ajuda a construir propostas conectadas com a vida e as necessidades das pessoas.
Além dessas formas estruturadas de escuta, existe um recurso disponível o tempo todo, pronto pra ser explorado: as conversas espontâneas que acontecem nas redes sociais e em grupos de WhatsApp ou Telegram. Esse material não substitui as demais metodologias, mas pode enriquecer muito o diagnóstico, oferecendo percepções reais, imediatas e acessíveis.
O desafio está em saber organizar esse volume de informações, separar o ruído do que realmente importa e transformar as percepções coletadas em matéria-prima para as propostas. Nesse sentido, a netnografia oferece técnica para interpretar e aproveitar esse repositório vivo, no qual a população expõe sentimentos sobre o seu dia a dia.
O que é netnografia e por que ela importa na política
A netnografia é a adaptação para o ambiente digital da etnografia, método de pesquisa qualitativa que observa de perto a realidade de um grupo para compreender suas práticas culturais, comportamentos e interações.
Essa adaptação surgiu a partir da segunda metade dos anos 1990, com a popularização da internet, quando fóruns, chats e comunidades online abriram espaço para praticar a observação cultural dentro da rede. No marketing e na administração, ficou conhecida como “netnografia”. Na antropologia e nas ciências sociais, como “etnografia virtual”.
O mundo online, porém, tem seu próprio ritmo: interações mais rápidas, múltiplos espaços e códigos próprios. Por isso, a netnografia vai além de “trazer” a etnografia para a internet. Ela ajusta o método para interpretar conversas e relações nesse ambiente.
Na política, significa olhar para o que circula nas redes sociais com método: organizar, interpretar e transformar essas conversas em diagnósticos claros, identificando padrões, mudanças de clima e temas que, no nosso caso, podem influenciar diretamente o plano de governo.
Como transformar o ruído em diagnóstico político
Escutar o que já está no ar é o ponto de partida. Com ou sem ferramentas sofisticadas, é possível:
- Mapear postagens de cidadãos, lideranças locais, ONGs e coletivos
- Cruzar percepções das redes com dados públicos (portais de transparência, relatórios oficiais, imprensa)
- Observar grupos fechados (WhatsApp, Telegram, Facebook), em que surgem conversas francas e cotidianas
- Interpretar tendências nas entrelinhas: emojis, memes, silêncios e ironias também falam muito
- Validar descobertas com entrevistas ou enquetes
Esse trabalho transforma o caos em mapa. E um bom mapa ajuda a priorizar políticas, alinhar discurso e criar conexão real do plano de governo com a população.
Critérios para escolher onde observar
Nem todo espaço digital serve como campo de estudo. Robert Kozinets, pesquisador canadense que criou o conceito de netnografia, sugere quatro critérios para avaliar se um grupo ou comunidade é relevante:
- Familiaridade entre os membros (não é só uma aglomeração momentânea)
- Linguagem, símbolos e normas próprias
- Identidades e interações identificáveis (mesmo que sob pseudônimos)
- Esforço de preservação do grupo por parte dos participantes
Aplicado ao nosso tema: ao analisar redes sociais no processo de elaboração do plano de governo, prefira grupos que tenham vida própria, rotinas, regras e um senso de comunidade. Pode ser, por exemplo, um grupo de WhatsApp de moradores de um bairro, que se organizam para discutir segurança e melhorias na região, com administradores ativos, normas de participação e conversas frequentes entre pessoas que já se conhecem. Esse tipo de ambiente tende a gerar informações mais consistentes e úteis do que grupos abertos e genéricos, cujo fluxo de mensagens é disperso e sem vínculos reais entre os participantes.
Checklist para usar a netnografia no plano de governo
Quer aproveitar melhor o que já está sendo dito nas redes sociais? Estas quatro etapas da netnografia ajudam a transformar conversas online em ideias e informações que podem fortalecer seu plano de governo:
- Entrée cultural – Escolha por onde começar
Defina o assunto que quer entender e onde vai buscar essas informações. Pode ser aquele grupo de WhatsApp de moradores, uma comunidade no Facebook ou até um fórum local, como, por exemplo, um site criado por pessoas da própria região.
- Coleta e análise – Separe o que importa
Salve postagens, comentários e imagens que tenham relação com o seu objetivo. Agrupe por temas para facilitar a leitura depois e descarte o que não tiver relevância.
- Ética – Respeite as pessoas
Se precisar interagir, se apresente e explique o motivo. Proteja a identidade dos participantes usando nomes fictícios e nunca compartilhe dados pessoais.
- Feedback – Confirme se entendeu direito
Mostre suas conclusões para alguém que faça parte do grupo ou conheça bem o assunto. Isso ajuda a confirmar se o que você interpretou está correto e útil.
Como extrair o máximo da netnografia
A netnografia é mais rápida, menos cara e menos trabalhosa do que pesquisas presenciais. Também é menos invasiva, porque parte de interações que já estão acontecendo no ambiente digital. Isso permite registrar, de forma natural, como as pessoas se expressam e interagem online.
Esse método, porém, capta apenas um recorte da vida de uma comunidade, ou seja, a parte que se manifesta nas redes. Desse modo, exige atenção especial na seleção e interpretação dos dados, para que eles se transformem em informações realmente relevantes.
Por isso, a netnografia alcança todo o seu potencial quando é combinada com outras formas de escuta, como entrevistas, grupos focais e pesquisas quantitativas. Essas técnicas complementam o olhar online, trazendo percepções e detalhes que não aparecem no registro digital, resultando em um diagnóstico mais completo e consistente para embasar o plano de governo e toda a estratégia da campanha.
Em resumo: onde muitos terminam, você começa
O plano de governo na era digital começa onde muita gente termina: lendo o que já foi postado. As pessoas estão dizendo espontaneamente o que sentem, relatando problemas, apontando caminhos e expressando desejos. Ouvir isso é um acerto político e estratégico.
O plano de governo, nesse contexto, ganha lastro na realidade social tal como ela é vivida, sentida e expressa pelas pessoas.



