Do improviso à incoerência, os riscos de não conhecer o próprio plano de governo são reais. E evitáveis!
Conversando com o jornalista Mauro Bastos, um dos grandes profissionais de comunicação com quem já trabalhei, ele me trouxe um tema crucial:
“É preciso media training com o candidato para obrigá-lo a ler o plano de governo, saber seu conteúdo. Já vi candidato passar vergonha por não saber”.
Mauro é jornalista experiente, atuou em grandes redações e dirigiu campanhas eleitorais vitoriosas no Brasil. É daquelas cabeças que entendem a lógica da comunicação como poucos e, por isso, o alerta que ele faz é tão relevante.
Porque quando um candidato não domina o próprio plano de governo, pode pagar um preço alto na campanha, inclusive com a derrota.
Quando o candidato é pego no contrapé
Um caso recente aconteceu nas Eleições 2024 na cidade de São Paulo. Segundo reportagem do jornal O Globo, o candidato José Luiz Datena disse, ao programa Roda Viva, que não sabia quem eram os técnicos que elaboraram seu plano de governo. E, na Rádio CBN, discordou de uma proposta que estava escrita no documento, porque não sabia também que essa proposta existia.
Nas Eleições 2022, Onyx Lorenzoni, candidato ao governo do Rio Grande do Sul, enfrentou saia justa ao debater sobre uma proposta do plano de governo com o adversário Eduardo Leite. Questionado sobre a alternativa ao Regime de Recuperação Fiscal, limitou-se a repetir que era algo diferente e melhor do que o adversário propunha. Onyx tinha, sim, uma proposta diferente no plano de governo, mas não a detalhou, ou porque não sabia da existência dela ou porque não se lembrava.
Quem já rodou bastidores de campanha sabe: se o candidato não tiver um momento específico para mergulhar no seu próprio plano, ele não vai dominar o conteúdo. E, como resultado, vai tropeçar. Como enfrentar esse desafio? É o que veremos neste artigo!
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Não basta uma simples leitura, é necessário ter preparação
A elaboração do plano de governo se dá durante o período da pré-campanha. Um momento de tantas emoções e ocupações… O pré-candidato está envolvido em mil coisas e, por isso, nem sempre tem como acompanhar todos os detalhes da elaboração do plano de governo.
A questão é que, a partir do registro da candidatura, no dia 15 de agosto, o plano se torna um documento oficial que leva a assinatura dele. E certamente ninguém melhor do que ele próprio, agora já candidato, para ser o porta-voz daquelas ideias.
É ele quem vai encarar sabatinas, debates, entrevistas, lives, perguntas de eleitores, bem como embates com adversários. E o que se espera de um candidato que quer governar? Que acima de tudo saiba explicar, com clareza, o que pretende fazer.
E é aí que entra o media training. Especificamente, o media training voltado para o plano de governo.
Media training sobre plano de governo: o que é e por que importa
Em primeiro lugar, o media training sobre o plano de governo não pode ser genérico. Esse tipo de preparação deve ter como foco o conteúdo do plano e as situações reais de campanha.
O objetivo? Evitar que o candidato:
- Não saiba o que defende em seu plano
- Contradiga o que está no documento
- Fuja de perguntas sobre suas próprias propostas
- Terceirize a responsabilidade para assessores
- Seja engolido por narrativas de adversários.
Tudo isso já aconteceu com quem não treinou e se aprofundou no próprio plano de governo, como vimos nos exemplos de Datena e Onyx. Situações assim podem até não determinar o resultado da eleição, mas acabam custando caro em imagem e votos (os dois candidatos mencionados que o digam: perderam a eleição).
O que esse treinamento precisa abordar
Media training sobre o plano de governo não é fazer uma leitura em voz alta. É mergulho profundo nas propostas, simulação, estratégia e construção de narrativa. Veja os pontos fundamentais:
1. Mergulho guiado no plano
O ideal é o candidato reservar de dois a três dias para imersão no plano de governo. Nesse meio tempo, ele precisa entender:
- Qual é a linha mestra do plano
- Quais os pontos prioritários que defende em cada área
- Quais os eixos mais sensíveis
- Que propostas podem gerar polêmica e como justificá-las
2. Tradução do técnico para o político
O propósito é transformar jargões em frases compreensíveis ao eleitor médio. Por exemplo:
- Em vez de “resiliência urbana climática”, dizer: “projetos para proteger a cidade de enchentes”.
3. Construção de mensagens-chave
Cada eixo do plano deve ter uma ou duas frases de fácil memorização, que o candidato possa repetir como mantras. A repetição é importante porque fixa a mensagem na mente do eleitor, cria familiaridade e transforma proposta em convicção.
4. Simulação de entrevistas e debates
Esse ensaio deve trazer perguntas incômodas, temas inesperados, pontos bem específicos do plano de governo e, ao mesmo tempo, provocações em cima das propostas. O candidato precisa ficar afiado para conduzir as respostas com base no conteúdo do plano, reforçando acima de tudo a percepção de preparo.
5. Storytelling para ancorar propostas
Com base no diagnóstico e na escuta popular feitos para embasar o plano, o candidato precisar estar preparado para contar histórias reais que ilustrem suas ideias. Isso facilita a compreensão do eleitor e, igualmente, gera empatia.
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Quem deve conduzir o media training sobre plano de governo
No media training sobre o conteúdo do plano de governo, o candidato precisa ser auxiliado por uma equipe ampla:
- Marqueteiro
- Jornalista (de preferência com experiência em campanha)
- Integrante(s) da equipe que elaborou o plano
- Eventualmente, um fonoaudiólogo
O ideal é que esse treinamento seja presencial, com gravação das simulações e, por fim, análise conjunta.
Perguntas que o candidato tem que saber responder
O candidato precisa dominar seu plano de governo e, portanto, estar pronto para responder com precisão a perguntas como:
- Qual é a principal mudança que você propõe na saúde?
- Seu plano fala em redução de despesas. Vai cortar onde?
- Por que você defende ampliar o uso de câmeras nas escolas?
- Qual é a prioridade do seu primeiro ano de governo?
Não são perguntas técnicas. São, antes de mais nada, perguntas políticas com base em propostas que estão assinadas pelo candidato.
Em resumo: domina o plano quem o estuda e treina
O plano de governo, quando bem elaborado, é a espinha dorsal da campanha. O candidato que assina esse documento sem conhecer detalhadamente seu conteúdo não vai saber defendê-lo. E, então, tem grandes chances de tropeçar e passar vergonha diante dos adversários e do eleitorado.
Se você está se preparando para ser candidato ao Executivo ou trabalhar em alguma campanha nas Eleições 2026, saiba: a boa proposta não basta. O eleitor precisa ouvi-la, entendê-la e confiar em quem a apresenta. Por outro lado, quem a apresenta precisa ter o domínio para defendê-la.
Media training é o caminho! Com um treinamento aprofundado, o candidato se mostra realmente ligado ao que propõe. A intenção vira argumento e o argumento se transforma em voto e vitória. Nada disso acontece por acaso: acontece com preparação!



