Cena em um teatro clássico simbolizando o plano de governo como peça de ficção. No palco iluminado, um candidato sem rosto, de terno escuro, discursa em um púlpito diante de um cenário pintado de cidade idealizada feito de papelão, com bordas descolando. No chão, papéis rasgados com o título “Plano de Governo”. A plateia, composta por brasileiros de diferentes idades, tons de pele e classes sociais, observa com expressões de atenção e desconfiança. A luz quente dourada no palco contrasta com a luz azulada na plateia, representando a diferença entre aparência e realidade.

O plano de governo é uma peça de ficção?

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José Roberto Martins

Jornalista e Especialista em Comunicação Governamental e Marketing Político | IDP Brasília

Como candidatos a cargos do Executivo podem se valer dessa ferramenta estratégica nas Eleições 2026.

É muito comum nas campanhas a gente ouvir que plano de governo é peça de ficção. Pois é, pra muitos candidatos, o plano é feito mesmo só pra cumprir tabela. Um texto cheio de boas intenções, pra cumprir o protocolo da Justiça Eleitoral e ser esquecido logo depois. Ou, então, é escrito de qualquer jeito, copiado de outro candidato ou montado como um trabalho escolar em grupo, em que cada área faz um pedaço e depois é só control C + control V, sem pensar num conjunto.

Mas por que isso acontece? E, principalmente, como mudar essa cultura de ficção eleitoral que se repete a cada quatro anos?

A lei criou o dever, mas não o compromisso

A lei exige que todo candidato a prefeito, governador ou presidente, ao registrar a candidatura, apresente “as propostas defendidas”. Só isso. Não há definição sobre formato, tamanho, método de elaboração, nem qualquer penalidade para quem não cumprir o que prometeu. Como resultado, o plano de governo se torna uma formalidade qualquer, necessária no papel, irrelevante na prática.

Em 2010, ano da primeira eleição depois que o plano de governo passou a ser obrigatório, o jornalista Fernando Rodrigues, na Folha de S.Paulo, resumiu o problema de uma forma que continua atual:

“Todos esses programas de governo serão peças de ficção. Um amontoado de textos formulados só para atender a uma formalidade kafkiana legal.”

O advogado Fernando Leite Freitas estudou o tema em 2020 e chegou à mesma conclusão. De acordo com ele:

“A maioria dos candidatos elabora esse plano de metas de forma descuidada e (…) sem averiguar de fato as necessidades da população”.

Freitas lembrou que a Justiça Eleitoral apenas recebe o plano de governo, sem qualquer avaliação de mérito. Com isso, os candidatos “não são obrigados a cumpri-lo”.

Ou seja, o sistema criou a obrigação do plano, mas não criou qualquer estímulo para que ele fosse levado a sério.

Características de um plano de governo de ficção

Essa lacuna legal acaba se refletindo no conteúdo dos planos de governo. O plano de governo vira peça de ficção porque não parte da realidade e nem se destina a transformá-la. Em geral, planos fantasiosos têm características comuns:

  1. Falta de escuta e de participação social: esse talvez seja o traço mais evidente. O plano não nasce de um diagnóstico sério, não se ancora em dados concretos, é desconectado da realidade das pessoas e, por isso, não tem condições de gerar ação transformadora.
  2. Promessas sem lastro na realidade: quando falta o alicerce do diagnóstico, o plano vira um conjunto de intenções genéricas, baseadas em impressões pessoais ou conveniências políticas.
  3. Desprezo pelo orçamento: é comum encontrar planos que não explicam quanto custam as ações, em quanto tempo serão executadas ou de onde virão os recursos.
  4. Linguagem vaga como substituto do planejamento: verbos genéricos como “incentivar”, “valorizar” e “promover” aparecem no lugar de estratégias concretas. O texto não apresenta caminhos, indicadores nem responsabilidades. É uma escrita que tenta parecer planejamento, sem ser.

Esses sintomas explicam por que existe tanto plano de governo que acaba classificado como peça de ficção: são roteiros que falam sobre o futuro, mas sem nenhuma chance de chegar até ele. A boa notícia é que há formas concretas de fazer diferente.

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Como fazer para que o plano de governo não seja peça de ficção

Se a causa está na falta de método, o primeiro passo para mudar é justamente criar método. Três pilares sustentam um plano de governo sólido e executável:

  1. Diagnóstico é o ponto de partida: como mostramos no artigo Diagnóstico no plano de governo: o que todo candidato precisa saber, antes de propor a solução é preciso entender o problema. É isso que diferencia achismo de estratégia. Um bom diagnóstico combina escuta popular e dados públicos (IBGE, Datasus, Inep, Tesouro Nacional etc). Esse conjunto de informações revela gargalos e oportunidades para o plano.
  2. Escuta é o motor da legitimidade: ouvir a população amplia a consistência técnica e política do plano. Pode ser em encontros de bairro, plenárias temáticas, pesquisa qualitativa, reuniões com lideranças locais ou formulários digitais. A escuta bem feita mostra que o candidato conhece o território, entende as dores das pessoas e quer governar para elas e com elas.
  3. Método é o fio que costura tudo: no artigo Como fazer um plano de governo eficiente”, resumimos os passos essenciais: diagnóstico aprofundado, definição de objetivos claros, viabilidade técnica e financeira, participação popular e comunicação transparente. Já no texto Por que profissionalizar o plano de governo é decisivo para 2026, lembramos a importância de contar com uma equipe qualificada na elaboração do plano de governo, além de uma estrutura de trabalho coordenada.

Juntos, esses três pilares formam a base técnica e política que definitivamente retira o plano de governo do campo da ficção.

Um plano de governo para a campanha e para a gestão

Quando o plano é construído com base em dados, escuta e método, ele passa a ser uma ferramenta estratégica que dá sentido à campanha e, depois, à gestão.

Tratamos disso no artigo Como um bom plano de governo descomplica tudo na campanha eleitoral. O plano serve de alicerce para todas as frentes da campanha: define a narrativa política, dá coerência à comunicação, organiza o conteúdo e sustenta a mobilização. Como resultado, o eleitor percebe consistência e daí nasce a confiança que se traduz em voto.

Além de ferramenta de campanha, o plano bem construído é também um compromisso de transformação concreta. O texto O que é plano de governo e por que ele é o ponto de partida para uma campanha vitoriosa explica que o plano deve ir além de ser promessa: é um roteiro de gestão com metas, custos e cronogramas.

Em outras palavras, o plano bem feito é a primeira política pública de quem se dispõe a governar.

Em resumo: compromisso e resultado

Durante a campanha, o candidato apresenta ideias, metas e compromissos. Eleito, precisa transformar tudo isso em resultados concretos. O plano de governo é o elo entre esses dois momentos: orienta a campanha e sustenta a gestão.

Por isso é tão importante discutir o tema “plano de governo como peça de ficção”. Quando se enxerga o plano apenas como um documento formal, perde-se a oportunidade de ter uma ferramenta sólida, capaz de sustentar a campanha, garantir a vitória e orientar o mandato.

No fundo, essa reflexão reúne tudo o que temos discutido neste blog: diagnóstico, método, escuta, ética, planejamento, comunicação e clareza.

O plano deve ser a espinha dorsal da candidatura e da gestão, o elo entre promessa e entrega. E, acima de tudo, é demonstração de respeito à inteligência do eleitor, ao dinheiro público e à própria ideia de política como serviço.

É desse modo que o plano tem tudo para virar a história real de um governo bem sucedido.

FAQ — perguntas e respostas sobre plano de governo como peça de ficção

1) Por que dizem que o plano de governo é uma peça de ficção?

Porque, em muitas campanhas, o plano é tratado apenas como exigência burocrática. Sem diagnóstico, método e compromisso, o plano de governo não tem ligação com a realidade.

2) O que a lei realmente exige dos candidatos?

A Lei nº 9.504/1997 pede apenas que o candidato apresente as “propostas defendidas”. Não define formato, tamanho, método, avaliação de mérito nem punição pelo descumprimento.

3) Por que isso é um problema?

Porque dá margem a planos genéricos, copiados ou fantasiosos, que ignoram orçamento, custos e prazos e causam desconfiança no eleitor, além de repercutir mal na imprensa.

4) O que faz um plano de governo deixar de ser ficção?

Três pilares: diagnóstico sério, escuta popular e método. Com dados reais e participação popular, o plano conquista a confiança do eleitor e, por consequência, traz votos. 

5) Como um bom plano de governo reforça a credibilidade do candidato?

Quando o eleitor percebe coerência entre o que o candidato promete e o que entrega, nasce a confiança, o capital político mais valioso. Político que cumpre plano de governo tem mais chances de reeleição e de alçar voos maiores.